Brasília, 1º de Agosto, 2025,
Informe à Relatoria Especial das Nações Unidas sobre a Independência de Juízes e Advogados, devido à recente imposição de sanções por parte dos Estados Unidos da América contra Ministros do Supremo Tribunal Federal do Brasil
1. Objeto do Informe
Este informe, apresentado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, relata o contexto de recentes tentativas à independência do judiciário no Brasil que culminaram com a articulação de agentes públicos brasileiros e norte-americanos para a imposição de sanções por parte dos Estados Unidos da América contra membros do Supremo Tribunal Federal do Brasil, especialmente o Ministro Alexandre de Moraes, assim como pela ameaça de novas sanções.
Como será demonstrado a seguir, essas sanções representam uma clara interferência norte-americana na soberania do Brasil, especialmente em relação à independência do judiciário, e afetam os Direitos Humanos não apenas dos Ministros que estão sendo alvos de sanções, mas ainda os Direitos Humanos de toda a população brasileira a possuir um judiciário independente.
2. Sobre o Conselho Nacional de Direitos Humanos
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH é um órgão colegiado de composição paritária, instituído pela Lei nº 12.986/2014. Sua finalidade é promover e defender os direitos humanos no Brasil, cumprindo esse mandato por meio de ações preventivas, protetivas, reparatórias e sancionatórias diante de condutas e situações que representem ameaça ou violação desses direitos, conforme previsto na Constituição Federal e nos tratados e atos internacionais ratificados pelo Brasil.
Compete ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos, entre outras atribuições, fiscalizar e monitorar as políticas públicas e o Programa Nacional de Direitos Humanos, podendo sugerir e recomendar diretrizes para sua implementação, além de coordenar e manter intercâmbios e cooperação com entidades públicas ou privadas, sejam elas municipais, estaduais, do Distrito Federal, nacionais ou internacionais, especialmente com os órgãos integrantes dos Sistemas Internacional e Regional de Direitos Humanos.
O CNDH também é responsável por emitir pareceres sobre atos normativos, administrativos e legislativos de interesse da política nacional de direitos humanos, assim como por elaborar propostas legislativas e atos normativos relacionados a matérias de sua competência. De forma específica, conforme dispõe o artigo 4º do Regimento Interno, cabe ao órgão ainda acompanhar processos administrativos e judiciais que estejam direta ou indiretamente relacionados a graves violações de direitos humanos.
Nesse sentido, o CNDH atua como Instituição Nacional de Direitos Humanos, no marco dos Princípios de Paris. Essa condição confere ao CNDH um papel institucional de destaque na proteção e promoção dos direitos humanos, com legitimidade para interagir diretamente com os mecanismos internacionais e regionais de proteção.
A atuação internacional do CNDH tem se dado de forma proativa e articulada com diferentes Relatorias e mecanismos especializados. Como exemplo recente, destaca-se o diálogo contínuo com a Relatoria Especial da ONU sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância, incluindo a temática do neonazismo e do discurso de ódio. O CNDH foi explicitamente mencionado nos dois últimos relatórios apresentados por esta Relatoria ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (A/HRC/59/63 e A/HRC/56/67), como uma das instituições que têm cooperado na coleta de dados e no monitoramento de ameaças às minorias e à ordem democrática no Brasil.
De maneira ainda mais direta com o tema abordado no presente informe, cabe destacar que o CNDH encaminhou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma manifestação formal em resposta à carta enviada pelo presidente Donald Trump ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual ameaçava a imposição de tarifas econômicas de 50% aos produtos brasileiros, caso determinadas medidas políticas e judiciais não fossem adotadas pelo governo brasileiro. O pedido formal solicitava à Comissão Interamericana esclarecimentos ao governo dos Estados Unidos da América acerca da adoção das medidas coercitivas mencionadas, requerendo que o Estado tome providências para cessar os atos atentatórios à soberania brasileira.
Esta comunicação à Comissão Interamericana precedeu e contextualiza o escalonamento das ações coercitivas que culminaram no Decreto Presidencial de 30 de julho de 2025, objeto central deste informe.
Com base nesse histórico de atuação, o CNDH reafirma seu compromisso com a defesa do Estado Democrático de Direito e com a preservação das instituições democráticas no Brasil, entre elas, o Poder Judiciário. A integridade e independência do Supremo Tribunal Federal são elementos essenciais para a garantia dos direitos fundamentais de toda a população brasileira.
3. Fatos
A. Do contexto anterior à imposição das sanções
Após perder as eleições brasileiras ocorridas em 2022, no dia 08 de janeiro de 2023, uma semana após a posse do eleito presidente Lula, um vasto grupo de apoiadores de Bolsonaro invadiu a praça dos milhares de manifestantes golpistas invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República: o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Os atos foram protagonizados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, inconformados com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2022[1].
Os ataques ocorreram após semanas de mobilização em acampamentos montados em frente a quartéis militares, onde se pediam intervenções das Forças Armadas para impedir a posse de Lula. Alimentados por discursos de desinformação, teorias conspiratórias sobre fraude eleitoral e convocações pelas redes sociais, os manifestantes marcharam pela Esplanada dos Ministérios e, sem resistência efetiva da segurança pública, invadiram os prédios públicos, promovendo ampla destruição.
No Congresso Nacional, vidros foram quebrados, obras de arte foram danificadas e o plenário invadido. No Palácio do Planalto, gabinetes foram vandalizados e equipamentos eletrônicos destruídos. No Supremo Tribunal Federal, além de depredação do plenário, houve a destruição de acervo histórico e simbólico, gerando um prejuízo de milhões de reais ao país.[2]
Os atos de 8 de janeiro foram repudiados internacionalmente, como por exemplo pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em comunicado de imprensa, que reconheceu que os perpetradores eram apoiadores de Bolsonaro e urgiu pela investigação dos fatos[3].
Diante disto, o STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, instaurou inquéritos para investigar os autores, financiadores e articuladores dos atos antidemocráticos. Centenas de pessoas já foram condenadas por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado ao patrimônio público, associação criminosa, entre outros.[4]
Durante as investigações, foram identificadas fortes evidências de que o ex presidente Jair Bolsonaro, juntamente com alguns de seus aliados, teria participado de uma tentativa de golpe anterior às eleições de 2022. Essa tentativa, contudo, não foi levada adiante por falta de apoio institucional suficiente das Forças Armadas.[5]
Devido a este fracasso, presume-se que os atos antidemocráticos ocorridos em 8 de janeiro de 2023 foram incitados e incentivados pelo ex-presidente, de acordo com a Procuradoria-Geral da República, que apontou Bolsonaro como o “núcleo crucial” da articulação golpista. Diante disso, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, recebeu denúncia contra o ex presidente, que passou a figurar como réu pela acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado e, atualmente, enfrenta algumas medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica e afastamento obrigatório das redes sociais.[6]
Em contrapartida, o Partido Liberal, do qual Bolsonaro fazia parte, protocolou em maio de 2025, projeto de lei que concede anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 (PL 2858/22).[7] Entretanto, o Ministro Alexandre de Moraes ressalta que este projeto é inconstitucional e diz “não haver dúvida sobre a materialidade e a autoria dos delitos praticados por Bolsonaro no curso da ação penal do golpe.”[8]
B. O envolvimento do governo dos Estados da Unidos da América com a questão e a imposição de sanções aos Ministros do Supremo Tribunal Federal
Diante do movimento pró-anistia, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, passou a residir nos Estados Unidos da América em março de 2025, onde iniciou uma série de articulações com autoridades americanas. O objetivo dessas negociações seria interferir nas decisões do Judiciário brasileiro e beneficiar sua família, por meio da imposição de sanções contra o Brasil, como a taxação de produtos brasileiros[9].
Em 18 de julho, o então Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, anunciou publicamente a revogação dos vistos de entrada nos Estados Unidos da América do ministro Alexandre de Moraes e de “seus aliados no Tribunal”, Luis Roberto Barroso, Edson Fachin, Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Flavio Dino, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, além dos respectivos familiares[10].
Em 30 de julho de 2025, o governo dos Estados Unidos da América, sob o mandato do presidente Donald Trump, anunciou oficialmente a imposição de sanções financeiras especificamente ao ministro Alexandre de Moraes, membro do Supremo Tribunal Federal[11] e que relata a Ação Penal contra Bolsonaro. A medida foi tomada com fundamento na Lei Global Magnitsky de Responsabilidade pelos Direitos Humanos (Global Magnitsky Human Rights Accountability Act), legislação norteamericana destinada à responsabilização de indivíduos estrangeiros acusados de envolvimento em graves violações de direitos humanos e atos significativos de corrupção[12].
Em comunicado, o Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, fundamenta as sanções com base em uma suposta “caça às bruxas” promovida pelo Ministro, tendo como alvo o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro[13]:
Moraes é responsável por uma campanha opressiva de censura, detenções arbitrárias que violam os direitos humanos e processos judicializados com motivação política — inclusive contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. A ação de hoje deixa claro que o Tesouro continuará responsabilizando aqueles que ameaçam os interesses dos EUA e as liberdades de nossos cidadãos
O filho do ex-presidente Jair Bolsonaro também realizou declarações admitindo que articulou para a imposição das sanções e deixando claro que elas tinham caráter político[14] e defendendo que novas sanções fossem adotadas, dessa vez pela União Europeia[15].
As sanções contra o Ministro, portanto, decorrem declaradamente do livre exercício da independência do judiciário brasileiro, na condução de processo voltado a investigar fatos que atentaram diretamente contra a democracia no Brasil, conforme acima descrito.
Com a decisão, todos os ativos e bens eventualmente vinculados ao ministro Alexandre de Moraes nos Estados Unidos serão congelados. Além disso, fica vedado a qualquer pessoa, empresa norte-americana ou instituição financeira que opere com o sistema bancário dos EUA realizar operações financeiras, comerciais ou de qualquer outra natureza com o ministro ou com empresas a ele relacionadas[16].
Na prática, isso significa que Alexandre de Moraes não poderá realizar transações em dólares com entidades sob jurisdição americana, utilizar cartões de crédito emitidos por bandeiras norte-americanas, movimentar valores em contas bancárias nos EUA ou participar, direta ou indiretamente, de qualquer atividade econômica que envolva a infraestrutura financeira dos Estados Unidos[17].
Em âmbito digital, empresas como Google e Microsoft, que têm sede nos Estados Unidos, deverão suspender contas e serviços vinculados a Moraes. Em tese, a atividade digital do magistrado deverá ser monitorada por estas big techs, sob pena de outras sanções[18].
Tais sanções se inserem em um contexto mais amplo de crescente tensão diplomática entre setores do governo norte-americano ligados ao ex-presidente Trump e autoridades brasileiras, especialmente ministros do Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, o Secretário Marco Rubio comentou em sua página da rede social “X” sobre o ocorrido, dizendo que a sanção realizada deve “ficar de aviso” para o judiciário brasileiro, conforme trecho traduzido abaixo[19]:
@POTUS e @USTreasury sancionaram o ministro da Suprema Corte brasileira, Alexandre de Moraes, sob o programa de sanções Global Magnitsky, por graves violações de direitos humanos. Que isso sirva de alerta para aqueles que pisoteiam os direitos fundamentais de seus compatriotas — togas judiciais não podem protegê-los.
4. Da Interferência nos Assuntos Internos e da Violação à Soberania do Estado Brasileiro
A promulgação do Executive Order emitido pelo presidente Donald Trump, intitulado “Addressing Threats to the United States by the Government of Brazil” (30 de julho de 2025), que impõe sanções ao Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, configura grave violação aos princípios fundamentais do Direito Internacional constantes da Carta da Organização das Nações, notadamente os princípios da soberania estatal, da não intervenção em assuntos internos, o que inclui a independência do Poder Judiciário nacional, previstos no artigo 2º da Carta.
Segundo consta na ordem executiva, o governo norte-americano justifica as sanções com base em supostas “ações sistemáticas contra a liberdade de expressão e o processo democrático no Brasil”, alegadamente atribuídas à atuação jurisdicional do Ministro Alexandre de Moraes. Trata-se, portanto, de sanções impostas em razão da função institucional desempenhada por um alto magistrado do Judiciário brasileiro, fato que impossibilita qualquer separação entre a sanção pessoal e a ingerência institucional. A medida, nesse sentido, não se restringe ao indivíduo, mas configura interferência direta no funcionamento do Supremo Tribunal Federal, órgão supremo do Poder Judiciário brasileiro e um dos pilares constitucionais do Estado Democrático de Direito.
A nomeação do Ministro Alexandre de Moraes ao STF ocorreu conforme os preceitos constitucionais previstos no art. 101 da Constituição Federal brasileira, sendo nomeado pelo então Presidente da República Michel Temer e aprovado pelo Senado Federal. Desde sua posse, o Ministro tem exercido suas funções dentro dos marcos legais e constitucionais, sendo, inclusive, o relator de processos de alta relevância institucional, como o que trata da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, atribuída ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
A tentativa de deslegitimação de sua atuação jurisdicional por meio de sanções unilaterais estrangeiras não apenas compromete a independência funcional de um magistrado, mas também atenta contra a administração da justiça, conforme reconhecido pelo Artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, do qual os Estados Unidos e o Brasil são signatários.
A adoção de medidas coercitivas unilaterais contra um Ministro da mais alta Corte de Justiça do Brasil tem efeitos diretos e lesivos sobre o funcionamento regular da administração da justiça, tal como reconhecida pelo direito internacional. O princípio da independência judicial, pedra angular de qualquer Estado de Direito, exige que juízes possam exercer suas funções livres de pressões externas, ameaças ou interferências indevidas, seja de origem interna ou internacional. A sanção imposta ao Ministro Alexandre de Moraes, sob o pretexto de sua atuação jurisdicional, representa uma tentativa de influenciar ou retaliar decisões judiciais soberanas, afetando a integridade institucional do Supremo Tribunal Federal.
Nesse contexto, a atuação jurisdicional do Ministro Alexandre de Moraes deve ser compreendida como exercício legítimo de suas competências constitucionais. As sanções impostas têm o efeito de constranger não apenas o Ministro individualmente, mas também de intimidar os demais membros da Corte, criando um ambiente de receio quanto às possíveis consequências de suas decisões. Tal ambiente afeta diretamente a capacidade funcional do STF de deliberar com independência, o que configura um impacto estrutural sobre a administração da justiça brasileira.
Importante pontuar que o Estado brasileiro, como democracia constitucional, dispõe de instrumentos internos legítimos e adequados para fiscalizar e controlar a atuação de qualquer agente público, inclusive magistrados, por meio dos procedimentos legalmente previstos. A Constituição brasileira já contempla, de maneira robusta, mecanismos internos de controle e responsabilização de membros dos Poderes da República, com um sistema de freios e contrapesos que assegura a estabilidade democrática e evita abusos.
Assim, a imposição de medidas coercitivas unilaterais com o objetivo de influenciar o funcionamento dessas instituições constitui violação frontal ao princípio da igualdade soberana dos Estados, previsto no Artigo 2º, parágrafo 1º e 7º da Carta das Nações Unidas, e também ao princípio da não intervenção, consagrado tanto na Resolução 2625 da Assembleia Geral da ONU (Declaração sobre Princípios de Direito Internacional Relativos às Relações Amistosas entre os Estados) quanto na jurisprudência da Corte Internacional de Justiça, como reafirmado no caso Nicarágua vs. Estados Unidos.
Além disso, a aplicação de sanções pessoais ao Ministro Alexandre de Moraes, seus familiares e outros membros do STF, como a suspensão de vistos, bloqueio de bens e restrições de trânsito, representa uma forma de coerção política, sendo incompatível com o espírito do Direito Internacional. Conforme reiterado pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre o impacto negativo das medidas coercitivas unilaterais, essas práticas, notadamente aquelas inspiradas na Global Magnitsky Human Rights Accountability Act, violam os princípios de legalidade, proporcionalidade e devido processo, e carecem de legitimidade jurídica quando aplicadas de forma extraterritorial e sem autorização do Conselho de Segurança da ONU.
A relatoria já declarou, em diversos informes ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, que a utilização de sanções unilaterais com motivação política tende a ter efeitos desproporcionais e discriminatórios, prejudicando os sistemas nacionais de justiça e minando a independência judicial. Em seu relatório A/HRC/45/7, a Relatora Especial destacou que tais medidas frequentemente são aplicadas de forma arbitrária, com critérios vagos, e têm servido como instrumentos de pressão política incompatíveis com os princípios do direito internacional.
Adicionalmente, as repetidas ameaças públicas de autoridades estadunidenses, inclusive membros do Congresso e do Departamento de Estado, de que novas sanções seriam impostas caso o STF não adotasse uma postura aceita pelos estadunidenses reforçam a natureza coercitiva e retaliatória das medidas, demonstrando um padrão de conduta ofensivo à autodeterminação do povo brasileiro e à independência das suas instituições.
Nesse sentido, após a publicação da ordem presidencial, o Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio publicou em sua página oficial no X: “Let this be a warning to those who would trample on the fundamental rights of their countrymen – judicial robes cannot protect you.” Já o porta-voz adjunto do Departamento de Estado, Thomas Pigott, disse que o Ministro Alexandre de Moares seria uma “ativista” e que a medida adotada serve como alerta.[20]
Por fim, destaca-se que a Carta das Nações Unidas, no seu Artigo 33, estabelece que as controvérsias internacionais devem ser resolvidas por meios pacíficos, através da negociação, mediação, arbitragem ou recurso a organismos internacionais competentes. A adoção de sanções unilaterais fora desse escopo compromete o sistema multilateral de solução de controvérsias, contribuindo para a erosão da ordem internacional baseada em regras.
Em suma, as medidas coercitivas unilaterais adotadas pelo governo estadunidense, ao sancionar um Ministro da mais alta Corte de Justiça do Brasil com base em sua atuação jurisdicional, representam uma violação grave dos princípios de soberania, não intervenção, independência judicial e resolução pacífica de controvérsias. Tais ações extrapolam os limites do direito internacional contemporâneo e devem ser amplamente repudiadas pela comunidade internacional, por configurarem precedente perigoso e inaceitável de ingerência externa em instituições democráticas de Estados soberanos. A proteção da independência do Judiciário, da soberania nacional e da administração imparcial da justiça deve ser central na atuação das Relatorias da ONU diante deste caso.
Destaca-se que os pronunciamentos de autoridades norte-americanas indicam que a situação pode agravar-se, com a aplicação de sanções similares a outros Ministros do Supremo Tribunal Federal e até mesmo a seus familiares, como destacado pelo Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio[21]. Existe, portanto, um risco iminente da violação à soberania brasileira acima narrada agravar-se nos próximos dias se não houver uma ação enérgica da comunidade internacional e da Organização das Nações Unidas para exigir que os Estados Unidos da América interrompam o ato ilícito representado pela imposição das sanções.
5. Violações aos Direitos Humanos
Os atos ilícitos propagados pelos Estados Unidos da América violam não apenas princípios gerais do Direito Internacional e a Carta da ONU, mas também inúmeras normas de Direitos Humanos da Organização, inclusive normas ratificadas pelo país.
O Preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos destaca que os direitos humanos devem ser protegidos pelo império da lei e o artigo 10 estabelece que: “Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, por sua vez, assegura o direito a um julgamento justo e público por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, tanto em matérias penais quanto na resolução de direitos e deveres de natureza civil. De acordo com o Comentário Geral nº 32 do Comitê de Direitos Humanos, essa exigência constitui um direito absoluto, não sujeito a exceções, e os Estados devem adotar medidas específicas para garantir a independência do Judiciário.
Os Princípios Básicos sobre a Independência da Magistratura, adotados em 1985, fornecem orientações importantes sobre a necessidade de garantir essa independência na constituição ou nas leis nacionais. Eles também ressaltam que juízes devem poder decidir livremente, sem qualquer tipo de restrição, influência indevida, pressão, ameaça ou interferência, seja ela direta ou indireta. Desde sua adoção, esses princípios têm sido fundamentais para assegurar a autonomia do poder Judiciário.
Como já ressaltado pela Relatoria sobre Independência de Juízes e Advogados, a existência de um judiciário independente não apenas é um direito humano em si mesmo como afeta o gozo de inúmeros outros direitos.
Nesse sentido, a proteção contra a tortura também exige um Judiciário independente. A Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, juntamente com o Comentário Geral nº 3 do Comitê contra a Tortura, destaca que a falta de independência compromete seriamente os mecanismos de responsabilização por atos de tortura, enfraquecendo a garantia de não repetição.
Destacar-se ainda o Relatório desta Relatoria: Reimaginando a Justiça: confrontando desafios contemporâneos à independência de juízes e advogados (A/HRC/53/31.), que demonstra a relação intrínseca entre a independência do Judiciário e a manutenção da democracia, incluindo a separação de poderes, a aplicação imparcial das leis e o respeito aos direitos humanos.
Segundo o relatório, o Estado de Direito exige que todos os indivíduos e autoridades, inclusive os agentes estatais, estejam submetidos às mesmas normas jurídicas, aplicadas de maneira equitativa e imparcial. Quando o Judiciário perde sua autonomia, torna-se incapaz de revisar atos do Executivo e do Legislativo que ultrapassem os limites legais, fragilizando os mecanismos de controle do poder e promovendo a impunidade.
Nesse sentido, a erosão da independência judicial costuma ser promovida por líderes que, embora eleitos legitimamente, enfraquecem progressivamente as instituições democráticas com o objetivo de consolidar poder, o que a Relatoria denomina de “autocratização”, um processo silencioso, mas contínuo, de redução dos controles institucionais.
Ao intimidar ou deslegitimar juízes, promotores e advogados, por meio de processos disciplinares arbitrários, discursos de ódio e até violência física, os regimes autoritários criam um efeito dissuasório que desencoraja a atuação independente e corajosa desses atores.
Por fim, o relatório deixa claro que os ataques ao Judiciário não são apenas violações institucionais, mas uma ameaça estrutural à paz, à justiça e aos direitos humanos. Dessa forma, qualquer medida que enfraqueça esse pilar, seja por reformas legislativas ou assédios individuais, deve ser vista como um passo deliberado no caminho do autoritarismo, exigindo reação firme da comunidade internacional e da sociedade civil.
As sanções impostas pelos Estados Unidos da América, portanto, violam não apenas os direitos dos próprios Ministros à liberdade de circulação e à propriedade e à sua própria independência como julgadores, mas ainda o direito de toda a população brasileira de contar com um judiciário verdadeiramente independente e livre de pressões externas.
6. Solicitações
Considerando todo o acima exposto, o Conselho Nacional de Direitos Humanos respeitosamente solicita a esta Ilustre Relatoria Especial das Nações Unidas sobre a Independência de Juízes e Advogados que se pronuncie reconhecendo a ilicitude das sanções unilaterais impostas pelos Estados Unidos da América aos Ministros do Supremo Tribunal Federal do Brasil em especial ao Ministro Alexandre de Moraes, e recomende ao mandatário daquele país que interrompa imediatamente tais medidas, garantindo a cessação de todos os seus efeitos, assim como se abstenha de adotar novas medidas coercitivas unilaterais.
CHARLENE DA SILVA BORGES
Presidente do CNDH
CARLOS NICODEMOS
OAB/RJ 75.208
Conselheiro e Coordenador da Comissão de Litigância Estratégica do CNDH
LUCAS ARNAUD
OAB/RJ 237.418
Membro da Comissão de Litigância Estratégica do CNDH
MARIA FERNANDA FERNANDES CUNHA
OAB/RJ 233.268
Membro da Comissão de Litigância Estratégica do CNDH
LARA OLIVEIRA SALLES
Estagiári da Comissão de Litigância Estratégica do CNDH 226024-E
Assinado de forma digital por CARLOS NICODEMOS OLIVEIRA SILVA
Dados: 2025.08.04 11:19:44 -03'00'
[1] Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ataques_de_8_de_janeiro_em_Bras%C3%ADlia
[2] Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2025/01/7029218-as-feridas-e-os-rs-24milhoes-em-prejuizos-com-os-atos-de-8-de-janeiro.html
[3] Disponível em: https://www.oas.org/pt/CIDH/jsForm/?File=/pt/cidh/prensa/notas/2023/006.asp&utm_content=countrybra&utm_term=class-mon
[4] Disponível em: https://noticias.stf.jus.br/postsnoticias/em-dois-anos-stf-responsabilizou-898-pessoas-poratos-antidemocraticos-de-8-de-janeiro/
[5] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/11/26/quem-sao-os-generais-dacupula-que-recusaram-adesao-ao-golpe-segundo-a-pf.htm
[6] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/czxnj9deyk4o
[7] Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1150419-lider-do-pl-pede-urgencia-para-anistia-aosenvolvidos-nos-ataques-de-8-de-janeiro
[8] Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/justica/moraes-declara-inconstitucional-eventual-anistia-abolsonaro/
[9] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/eduardo-diz-que-trabalhou-para-os-eua-puniremmoraes-e-pouparem-agronegocio/
[10] Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/07/19/eua-suspendem-vistos-de-moraesde-outros-sete-ministros-do-stf-e-do-pgr-mendonca-nunes-marques-e-fux-ficam-de-fora.ghtml
[11] Disponível em: https://home.treasury.gov/news/press-releases/sb0211
[12] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-07/entenda-lei-magnitskyaplicada-pelos-eua-contra-alexandre-de-moraes
[13] Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/07/30/eua-sancionam-moraes-leimagnitsky.ghtml
[14] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/eduardo-diz-que-trabalhou-para-os-euapunirem-moraes-e-pouparem-agronegocio/
[15] Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas/paulo-cappelli/eduardo-bolsonaro-busca-novasancao-a-moraes-apos-trump-usar-magnitsky
[16] Disponível em: https://www.infomoney.com.br/politica/bens-e-transacoes-bloqueados-entendacomo-lei-magnitsky-afeta-alexandre-de-moraes/?utm_source=chatgpt.com
[17] Ibid.
[18] Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/o-que-e-a-lei-magnitsky-usada-pelos-eua-para-puniralexandre-de-moraes/
[19] Disponível em: https://x.com/SecRubio/status/1950606791693214074?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweete mbed%7Ctwterm%5E1950606791693214074%7Ctwgr%5E70e6c787b80058387c2b77f065b7ec5227
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[20] Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2025/07/governo-trump-volta-a-criticar-moraese-diz-que-sancoes-sao-aviso-de-que-togas-nao-servem-deprotecao.shtml?utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwa.
[21] Disponível em: https://x.com/SecRubio/status/1950606791693214074?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweete mbed%7Ctwterm%5E1950606791693214074%7Ctwgr%5E70e6c787b80058387c2b77f065b7ec5227 4cd03d%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fd3047287918280861627.ampproject.net%2F2507172035000%2Fframe.html