sábado, 20 de agosto de 2011

Da ilegalidade da concessão de isenção de pagamento de Taxa de Inscrição apenas para o títular no CadÚnico


Considera-se ilegal o deferimento da isenção do pagamento da Taxa de Inscrição em Concurso Público apenas para o titular do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Todos os membros da Unidade Familiar da família classificada como Família de Baixa Renda tem Direito Público Subjetivo à isenção do pagamento da Taxa de Inscrição em Concurso Público.


Palavras chave: Direito Público. Direito Administrativo. Concurso Público. Taxa de Inscrição. Isenção. Requisitos.


Colocação do problema: é legal a previsão, em Edital de Concurso Público, de deferimento do pedido de isenção do pagamento da Taxa de Inscrição apenas para o titular no cadastro do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal?


O Município de Chã Grande, situado no Estado de Pernambuco, por intermédio da Pessoa Jurídica ACAPLAM – Consultoria e Assessoria Técnica a Estados e Municípios Limitada, publicou o Edital de Concurso Público nº 001/2011, datado de 08 de agosto de 2011, para o preenchimento (ingresso) de diversos Cargos Públicos naquele Município. Dentre as várias regras do Processo Seletivo Público estão as regras para o deferimento de isenção do pagamento da Taxa de Inscrição em seu Processo Seletivo Público, devendo-se atentar especialmente para a observação ao subitem 2.9.3.1, do item 2.9.3, os quais foram redigidos nos seguintes termos:

2.9.3 – O Candidato deverá anexar os seguintes documentos comprobatórios de sua hipossuficiência financeira:


2.9.3.1 – Comprovante de sua inscrição no Cadastro Único (CadÚnico) para os Programas Sociais do Governo Federal, o qual deverá conter: seu nome completo, número da inscrição (para comprovação junto ao sistema do Governo).


OBS: Só serão aceitos pedidos de isenção do titular do CadÚnico.


Inicialmente, constata-se que a observação ao subitem 2.9.3.1, acima transcrita, é dúbia e permite, ao menos, duas interpretações distintas, quais sejam: primeira interpretação: só serão aceitos pedidos de isenção formalizados a requerimento do titular do CadÚnico; e segunda interpretação: só serão aceitos pedidos de isenção em favor do titular do CadÚnico.


O artigo 11, da Lei Ordinária Federal nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, com a redação que lhe foi dada pela Lei Ordinária Federal nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, registra que “o concurso será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas”.


Por seu turno, o artigo 4º, do Decreto Federal nº 6.135, de 26 de junho de 2007, o qual “dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e dá outras providências”, registra que:

Art. 4o Para fins deste Decreto, adotam-se as seguintes definições:

I - família: a unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos, eventualmente ampliada por outros indivíduos que contribuam para o rendimento ou tenham suas despesas atendidas por aquela unidade familiar, todos moradores em um mesmo domicílio.

II - família de baixa renda: sem prejuízo do disposto no inciso I:

a) aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo; ou

b) a que possua renda familiar mensal de até três salários mínimos;

III - domicílio: o local que serve de moradia à família;

IV - renda familiar mensal: a soma dos rendimentos brutos auferidos por todos os membros da família, não sendo incluídos no cálculo aqueles percebidos dos seguintes programas:

a) Programa de Erradicação do Trabalho Infantil;

b) Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano;

c) Programa Bolsa Família e os programas remanescentes nele unificados;

d) Programa Nacional de Inclusão do Jovem - Pró-Jovem;

e) Auxílio Emergencial Financeiro e outros programas de transferência de renda destinados à população atingida por desastres, residente em Municípios em estado de calamidade pública ou situação de emergência; e

f) demais programas de transferência condicionada de renda implementados por Estados, Distrito Federal ou Municípios;

V - renda familiar per capita: razão entre a renda familiar mensal e o total de indivíduos na família.


Por sua vez, o artigo 1º, do Decreto Federal nº 6.593, de 02 de outubro de 2008, o qual “regulamenta o art. 11 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, quanto à isenção de pagamento de taxa de inscrição em concursos públicos realizados no âmbito do Poder Executivo federal”, registra que:

Art. 1o Os editais de concurso público dos órgãos da administração direta, das autarquias e das fundações públicas do Poder Executivo federal deverão prever a possibilidade de isenção de taxa de inscrição para o candidato que:

I - estiver inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico, de que trata o Decreto no 6.135, de 26 de junho de 2007; e

II - for membro de família de baixa renda, nos termos do Decreto nº 6.135, de 2007.


Note-se que, tanto no Decreto Federal nº 6.135 (no inciso II), quanto no Decreto Federal nº 6.593 (também no inciso II), a nomenclatura utilizada é Família de Baixa Renda, ou seja, conceituando, a unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos, eventualmente ampliada por outros indivíduos que contribuam para o rendimento ou tenham suas despesas atendidas por aquela unidade familiar, todos moradores em um mesmo domicílio, nos exatos termos do inciso I, do artigo 4º, do Decreto Federal nº 6.135.


Nessa linha de raciocínio, como sustentar a legalidade da exigência de que o postulante à isenção seja, também, o titular da Unidade Familiar, como exige a observação ao item 2.9.3.1, do mencionado Edital? Como compatibilizar tal exigência com o inciso III, do artigo 6º, do Decreto Federal nº 6.135, já mencionado, especialmente a sua parte final, nos seguintes termos:

o cadastramento de cada família será vinculado a seu domicílio e a um responsável pela unidade familiar, maior de dezesseis anos, preferencialmente mulher;


É razoável e proporcional deferir a isenção do pagamento da Taxa de Inscrição apenas para o titular do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal? Será que é apenas o titular do cadastro a única pessoa naquela Unidade Familiar a não ter dinheiro suficiente para pagar a Taxa de Inscrição em Concurso Público? Será que todas as demais pessoas integrantes daquela Unidade Familiar classificada como Família de Baixa Renda tem dinheiro suficiente para pagar a Taxa de Inscrição, sem sofrer prejuízo do seu próprio sustento e/ou do sustento do restante dos membros?


Com efeito, parece que a resposta a tais perguntas apenas pode ser uma única: não é razoável e nem proporcional tal exigência, reafirmando-se a assertiva posta na introdução deste texto, ou seja, considera-se ilegal o deferimento da isenção do pagamento da Taxa de Inscrição em Concurso Público apenas para o titular do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. Todos os membros da Unidade Familiar da família classificada como Família de Baixa Renda tem Direito Público Subjetivo à isenção do pagamento da Taxa de Inscrição em Concurso Público.


Salvo melhor entendimento, o procedimento a se adotar é requerer a isenção do pagamento da Taxa de Inscrição e aguardar o seu indeferimento, afim de se consolidar a ilegalidade do ato de indeferimento. Após o indeferimento, já com a lista dos candidatos com pedidos de isenção indeferidos na qual conste seu próprio nome, o interessado deve manejar o Mandado de Segurança, requerendo a concessão da Antecipação dos Efeitos da Tutela Jurisdicional (a famosa Liminar).


Contudo, atenção ao pedido, pois, salvo melhor juízo, o pedido deve ser no sentido de desprezar os efeitos da observação do item 2.9.3.1, com relação à pessoa do Impetrante, vale dizer, para que o magistrado reconheça e declare que, em relação à pessoa Impetrante, aquela observação deve ser tida por não escrita (é preferível não pedir a anulação do item, e muito menos a suspensão do certame ou a sua anulação, ou pedidos semelhantes, vez que se está em sede de Mandado de Segurança Individual repressivo).


Quanto aos requisitos autorizadores da concessão da Liminar, salvo melhor entendimento, a sugestão é argumentar que: 1) quanto à plausibilidade jurídica do pedido, ela existe, pois em todos os três atos normativos analisados neste texto, não existe nenhuma restrição de tal espécie, ainda que os atos sejam de âmbito federal; 2) quanto ao perigo na demora, resta evidente que ele existe, pois a aplicação das provas se dará em data já aprazada; e, finalmente, 3) quanto à reversibilidade da medida concedida, caso reste, ao final do Processo de Mandado de Segurança, comprovado que o Município de Chã Grande tem direito de formular tal exigência, a pessoa Impetrante será devidamente Intimada a pagar a Taxa de Inscrição, sob pena de, em não o fazendo, ter a sua inscrição no certame declarada nula e a sua nomeação para o cargo pretendido se tornará sem efeito, de pleno direito.



Município de Jaboatão dos Guararapes, Estado de Pernambuco, em 12 de agosto de 2011.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011

O inciso I, do artigo 313, do Código de Processo Penal, foi alterado pela Lei Ordinária Federal nº 12.403, de 04 de maio de 2011. Artigo 313: Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: Inciso I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; Note-se que o artigo 313 faz referência ao artigo 312, ambos do Código de Processo Penal. Artigo 312: A prisão preventiva poderá ser decretada: 1) como garantia da ordem pública; 2) como garantia da ordem econômica; 3) por conveniência da instrução criminal; 4) para assegurar a aplicação da lei penal, sob condição, ou seja, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Portanto, não parece que a nova Lei 12.403 veio para afrouxar a prisão não. Ou, pelo menos, não para quem comete crimes presentes os mencionados requisitos, pois aí a aplicação da Prisão Processual poderá ser aplicada da mesma maneira que anteriormente. Poderá ocorrer, certamente, liberação da população carcerária, cujos fatos não preencham os mencionados requisitos, pela aplicação da Lei mais benigna para o Acusado/Condenado. Discordo eu, humildemente, da imprensa sensacionalista ao divulgar que "já tem preso comemorando". Se for Acusado/Condenado cujo ato infracional não preencha os requisitos mencionados no artigo 312, do CPP, penso que é para comemorar mesmo. Por outro lado, aqueles que cometeram atos infracionais os quais preencham os requisitos do artigo 312, do CPP, penso que é muito cedo para "comemorar". Dica: não dá para ler o artigo 313 isoladamente. É obrigatório lê-lo conjuntamente com o artigo 312, ambos do Código de Processo Penal.

sábado, 2 de julho de 2011

Exame de Ordem e Poder Judiciário – Episódio I


Exame de Ordem e Poder Judiciário – Episódio I1
Jamenson Ferreira Espindula de Almeida Melo2

Resumo

A correção da prova prático-profissional de Direito do Trabalho no Exame de Ordem 2010.1 pela Banca Examinadora do Centro de Seleção e Eventos da Universidade de Brasília (CESPE/UnB) sob a ótica do Juízo Federal de Direito da 3ª Vara Federal Cível da Comarca de Brasília – Seção Judiciária do Distrito Federal.

Palavras chave: Direito do Trabalho; Descontos Salariais; Danos Materiais.

Eis que uma divergência de interpretação entre a Banca Examinadora do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE/UnB) e a doutrina em Direito do Trabalho parece ter sido a causa de um desespero para centenas e centenas de Examinandos e Examinandas que prestaram a segunda fase do Exame de Ordem 2010.1.
A grande polêmica foi gerada porque muitos Examinandos e Examinandas de várias partes do Brasil foram reprovados, supostamente, por não ter utilizado nenhuma “fundamentação complementar”, como exigiu a Banca Examinadora por meio do chamado “Espelho de Correção”.
A Peça Prático-Profissional da segunda fase da prova de Direito do Trabalho do Exame de Ordem 2010.1, aplicada no dia: 25/07/2010, trouxe o seguinte texto para análise:
Lauro, representante legal da empresa Rápido Distribuidora de Alimentos Ltda., procurou auxílio de profissional de advocacia, ao qual relatou ter sido citado para manifestar-se a respeito de reclamação trabalhista ajuizada por ex-empregado que desenvolvia a função de vendedor externo da empresa. Disse que o vínculo empregatício em questão ocorrera entre 17/3/2000 e 15/12/2009. A contrafé apresentada por seu interlocutor demonstra, além da data de propositura da demanda (12/3/2010), a elaboração de pedido de pagamento de horas extraordinárias por todo o liame empregatício, dada a alegação de prestação de serviços das 8 h às 20 h, de segunda-feira a sexta-feira. Também estão relatados descontos efetuados no salário do empregado, relativos a multas de trânsito a ele atribuídas quando em uso de veículo da empresa na realização de seu mister. Em face disso, o empregado requereu a devolução dos valores deduzidos do salário, alegando que tais penalidades são ínsitas ao risco da atividade econômica a cargo do empregador. Lauro apresentou contrato de trabalho firmado entre as partes, no qual constam a data de contratação, a função que deveria ser exercida, o valor salarial pactuado e a forma de responsabilização do empregado quanto aos danos que viessem a ser praticados, por culpa ou dolo deste, no uso do veículo da empresa. Apôs a fotocópia da CTPS e a folha de registro do empregado reclamante, na qual constam as informações do contrato, excetuando-se a informação concernente ao uso de veículo da empresa. Apresentou, ainda, multas de trânsito que demonstram ter sido o empregado flagrado, por três vezes, conduzindo veículo a 100 km/h em vias em que a velocidade máxima permitida era de 60 km/h.

Diante desse texto, o Examinando e a Examinanda foram convidados a solucionar o problema nos seguintes termos:
Considerando essa situação hipotética, redija, na condição de advogado(a) contratado(a) pelo empregador, a peça processual adequada aos interesses de seu cliente.

Já no dia: 30/07/2010, o CESPE/UnB divulgou um documento rotulado de “Padrão de Resposta – Direito do Trabalho”, onde, supostamente, encontrava-se a resposta padrão esperada por parte dos Examinandos e Examinandas nos seguintes termos:
Trata-se de contestação ou defesa, que deve trazer em seu bojo tópico próprio relativamente à prescrição quinquenal de que trata o art. 7.º, XXIX, da Constituição Federal, por meio do qual deverá ser suscitada a aplicação do referido instituto sobre o período laborado entre a admissão, ocorrida em 17/3/2000, e a data 12/3/2005. Considerando-se que os documentos apresentados pelo empregador demonstram que o reclamante exercia a função de vendedor externo, sem sujeição a controle de jornada, deve-se pugnar pela aplicação do disposto no art. 62, I, da CLT, o qual assevera que não são abrangidos pelo regime previsto no capítulo relativo à jornada de trabalho estabelecida na CLT os empregados que exercem atividade externa, incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados. Quanto aos descontos relativos às multas dos quais pretende o empregado o ressarcimento, deve-se pugnar pela aplicação do § 1.º do art. 462 da CLT, o qual assevera que, em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que tal possibilidade tenha sido acordada, ou na ocorrência de dolo do empregado. Finalmente, deve-se requerer a prova do alegado pelos meios em juízo admitidos, pugnando-se pela improcedência dos pedidos formulados. (grifos nossos)

Observação para a correção: atribuir pontuação integral às respostas em que esteja expresso o conteúdo do dispositivo legal, ainda que não seja citado, expressamente, o número do artigo. (grifos do original).

Comparando-se atentamente o Padrão de Respostas esperadas e o Espelho de Correção, facilmente constata-se que em nenhum momento foi falado acerca de nenhuma “fundamentação complementar”, supostamente em legislação outra que não a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vez que o item 2.5 faz referência ao parágrafo único, do art. 8º, da CLT, o qual remete para o direito comum, ou seja, literalmente, “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”.
Já houve a oportunidade de analisar as possíveis interpretações que podem ser dadas ao artigo mencionado em outro documento3, o qual recomenda-se a atenta leitura.
O episódio, nesta oportunidade, é outro. Explica-se. O Examinando Andrey Augusto Bentes Ramos ajuizou Mandado de Segurança nº 43855-97.2010.4.01.3400, distribuído para 3ª Vara Federal Cível da Comarca de Brasília.
O Examinando, alegando que foi prejudicado pela correção aplicada à prova prático-profissional, juntou outras provas de outros Examinandos e Examinandas, na tentativa de demonstrar o tratamento desigual que sofreu em relação aos outros.
Qual foi a decisão daquele Juízo? Eis a transcrição da fundamentação da Sentença (suprimidas algumas partes consideradas menos importantes):

Todos os pedidos da impetrante dependem direta ou indiretamente da revisão dos critérios de correção de prova utilizados pela Banca Examinadora, vedada ao Judiciário, segundo jurisprudência uníssona. A alegação de violação do princípio da isonomia passa pelos critérios de correção utilizados, porquanto as provas são individuais e corrigidas uma a uma. A vedação de análise impede a sindicalização desse ato, no particular aspecto em epígrafe. Dessa forma, o caso adequa-se perfeitamente a outros casos idênticos já julgados neste Juízo.

Ante o exposto, DENEGO A SEGURANÇA, COM FUNDAMENTO NO ART. 285-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E EXTINGO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO (ART. 269, I, CPC).


Essa decisão causou grande perplexidade nos Examinandos e Examinandas prejudicados e que se encontram em permanente contato por meio da rede de relacionamentos sociais Orkut (comunidade CESPE/OAB – Exame de Ordem).
Insista-se até não mais poder! Por óbvio que o parágrafo único, do artigo 8º, da CLT, não é tão expresso quanto o artigo 769, também da CLT, cuja redação literal é a seguinte:

Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.


Note-se que, logo de início, a redação do artigo não deixa margem para dúvidas, vale dizer, “nos casos omissos...”, sendo certo que o aplicador estaria autorizado a deixar o subsistema da CLT para se reportar ao Direito Processual Civil apenas nos casos omissos.
Não é o que ocorre com a redação do parágrafo único, do artigo 8º, cuja redação, literalmente, mais uma vez se transcreve:

O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.


Note-se como a redação é vaga se comparada com a do artigo 769, sendo certo que doutrina e jurisprudência majoritárias fazem uma interpretação desse dispositivo por analogia ao artigo 769.
Nesse passo, em sede de Direito Material do Trabalho, doutrina e jurisprudência majoritárias adotam o entendimento de que a legislação extravagante deveria ser aplicada caso a própria CLT nada dispusesse a respeito da matéria, por analogia com o artigo 769, o qual, certamente, se refere ao Direito Processual.
Pelo exposto até o momento, claro fica que a Banca Examinadora poderia sim exigir que os Examinandos e Examinandas se utilizassem de fundamentação complementar em sede de Direito Material do Trabalho, fazendo uma interpretação literal do dispositivo, uma vez que, ao que parece, o legislador não excluiu a legislação extravagante como suporte para embasar, reforçar, a CLT, mesmo que esta dispusesse da matéria, como o fez, inequivocamente, em matéria processual.
Porém não foi esse o critério adotado desde o início pelo CESPE/UnB, como se pode bem constatar a partir do chamado “Padrão de Respostas”!
Que fique bem claro, a se adotar o critério de aplicação do parágrafo único, do artigo 8º, da CLT, da maneira que foi exposta até o momento, certamente mais do que 90% (noventa por cento) dos Examinandos e Examinandas em Direito do Trabalho teriam de serem reprovados!
A afirmação que foi feita o foi sem nenhum receio de cometer erros, vez que doutrina e jurisprudência majoritárias não adotam esse entendimento e os “cursinhos” preparatórios também não alertam para este fato, ou ao menos não alertavam, o que deverá ser modificado doravante.
Mais uma vez, se fosse esse o caso, certamente a análise implicaria a contestação dos critérios de avaliação, vez que o CESPE/UnB, no exercício da autoridade de aplicadora do Exame de Ordem, poderia sim adotar entendimento contra a doutrina e jurisprudência majoritárias. Porém o caso é bem diferente!
Insista-se que alguns Examinandos e algumas Examinandas obtiveram nota integral no item 2.5 de correção da prova, ao passo que outros e outras nada obtiveram, apesar de todos terem fundamentado a defesa da Pessoa Jurídica Empregadora no § 1º, do art. 462, da CLT, o qual autoriza desconto em folha de salários do Empregado que causa dano, “desde de que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado”.
Constate-se como a situação é bastante diferente, pois, salvo engano, foi violado o princípio constitucional da isonomia ao se tratar de maneira desigual pessoas que se encontravam em situação jurídica semelhante, fato que, lamentavelmente, escapou ao entendimento do Juízo da 3ª Vara Federal Cível da Comarca de Brasília.
Sustenta-se que, nesta hipótese, não se trata de o Poder Judiciário se imiscuir nos critérios de avaliação do certame, nem muito menos de se substituir à Banca Examinadora na correção das provas. Não é essa a situação que ora se verifica!
Resta-nos aguardar um possível juízo de retratação ou reforma do julgado em sede de Apelação.



Jamenson Ferreira Espindula de Almeida Melo
Avenida Visconde de Jequitinhonha, 209
Sala 804 – Boa Viagem – Recife – Pernambuco
Em 22 de setembro de 2010.
1 Texto publicado no Portal JurisWay em: 22 set. 2010. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4762>.
2 Bacharel em Direito pela Faculdade dos Guararapes, situada no Município de Jaboatão dos Guararapes, Estado de Pernambuco. Advogado.
3 ALMEIDA MELO, Jamenson Ferreira Espindula de. Divergência de interpretação, prejuízo para o cidadão. JurisWay. 02 set. 2010. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4674>. Acesso em: 22 set. 2010.

Divergência de interpretação, prejuízo para o cidadão


Divergência de interpretação, prejuízo para o cidadão1
Jamenson Ferreira Espindula de Almeida Melo2

Resumo

Breve análise acerca da licitude dos descontos salariais efetivados em folha de ex-empregado, ora reclamante, em face de danos materiais causados por este na condução de veículo automotor de propriedade da Pessoa Jurídica Empregadora, sob a interpretação da Banca Examinadora do Centro de Seleção e Eventos da Universidade de Brasília (CESPE/UnB).

Palavras chave: Direito do Trabalho; Descontos Salariais; Danos Materiais.

Eis que uma divergência de interpretação entre a Banca Examinadora do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE/UnB) e a doutrina em Direito do Trabalho parece ter sido a causa de um desespero para centenas e centenas de Examinandos e Examinandas que prestaram a segunda fase do Exame de Ordem 2010.1.
A grande polêmica foi gerada porque muitos Examinandos e Examinandas de várias partes do Brasil foram reprovados, supostamente, por não ter utilizado nenhuma “fundamentação complementar”, como exigiu a Banca Examinadora por meio do chamado “Espelho de Correção”.
A Peça Prático-Profissional da segunda fase da prova de Direito do Trabalho do Exame de Ordem 2010.1, aplicada no dia: 25/07/2010, trouxe o seguinte texto para análise:
Lauro, representante legal da empresa Rápido Distribuidora de Alimentos Ltda., procurou auxílio de profissional de advocacia, ao qual relatou ter sido citado para manifestar-se a respeito de reclamação trabalhista ajuizada por ex-empregado que desenvolvia a função de vendedor externo da empresa. Disse que o vínculo empregatício em questão ocorrera entre 17/3/2000 e 15/12/2009. A contrafé apresentada por seu interlocutor demonstra, além da data de propositura da demanda (12/3/2010), a elaboração de pedido de pagamento de horas extraordinárias por todo o liame empregatício, dada a alegação de prestação de serviços das 8 h às 20 h, de segunda-feira a sexta-feira. Também estão relatados descontos efetuados no salário do empregado, relativos a multas de trânsito a ele atribuídas quando em uso de veículo da empresa na realização de seu mister. Em face disso, o empregado requereu a devolução dos valores deduzidos do salário, alegando que tais penalidades são ínsitas ao risco da atividade econômica a cargo do empregador. Lauro apresentou contrato de trabalho firmado entre as partes, no qual constam a data de contratação, a função que deveria ser exercida, o valor salarial pactuado e a forma de responsabilização do empregado quanto aos danos que viessem a ser praticados, por culpa ou dolo deste, no uso do veículo da empresa. Apôs a fotocópia da CTPS e a folha de registro do empregado reclamante, na qual constam as informações do contrato, excetuando-se a informação concernente ao uso de veículo da empresa. Apresentou, ainda, multas de trânsito que demonstram ter sido o empregado flagrado, por três vezes, conduzindo veículo a 100 km/h em vias em que a velocidade máxima permitida era de 60 km/h.

Diante desse texto, o Examinando e a Examinanda foram convidados a solucionar o problema nos seguintes termos:
Considerando essa situação hipotética, redija, na condição de advogado(a) contratado(a) pelo empregador, a peça processual adequada aos interesses de seu cliente.

Já no dia: 30/07/2010, o CESPE/UnB divulgou um documento rotulado de “Padrão de Resposta – Direito do Trabalho”, onde, supostamente, encontrava-se a resposta padrão esperada por parte dos Examinandos e Examinandas nos seguintes termos:
Trata-se de contestação ou defesa, que deve trazer em seu bojo tópico próprio relativamente à prescrição quinquenal de que trata o art. 7.º, XXIX, da Constituição Federal, por meio do qual deverá ser suscitada a aplicação do referido instituto sobre o período laborado entre a admissão, ocorrida em 17/3/2000, e a data 12/3/2005. Considerando-se que os documentos apresentados pelo empregador demonstram que o reclamante exercia a função de vendedor externo, sem sujeição a controle de jornada, deve-se pugnar pela aplicação do disposto no art. 62, I, da CLT, o qual assevera que não são abrangidos pelo regime previsto no capítulo relativo à jornada de trabalho estabelecida na CLT os empregados que exercem atividade externa, incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados. Quanto aos descontos relativos às multas dos quais pretende o empregado o ressarcimento, deve-se pugnar pela aplicação do § 1.º do art. 462 da CLT, o qual assevera que, em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que tal possibilidade tenha sido acordada, ou na ocorrência de dolo do empregado. Finalmente, deve-se requerer a prova do alegado pelos meios em juízo admitidos, pugnando-se pela improcedência dos pedidos formulados.
Observação para a correção: atribuir pontuação integral às respostas em que esteja expresso o conteúdo do dispositivo legal, ainda que não seja citado, expressamente, o número do artigo. (grifos do original).

Na próxima etapa do certame, para os fins desta análise, no dia 24/08/2010, foi permitido o acesso aos chamados “Espelhos de Correção” e às imagens dos textos da Prova Prático-Profissional e das Questões, com o objetivo de eventual interposição de Recurso Administrativo por parte do Examinando e da Examinanda.
Observando-se os Espelhos de Correção, encontra-se um item de nº 2.5, chamado de “Fundamentação complementar acerca da licitude dos descontos verificados em face das multas de trânsito”, sendo certo que é nesse item precisamente a grande polêmica, talvez a maior desta edição do Exame de Ordem, ao menos em Direito do Trabalho, que tem mobilizado centenas e centenas de Examinandos e Examinandas em várias partes do Brasil.
Quem acessar a rede de relacionamentos sociais Orkut, na comunidade “CESPE/OAB – Exame de Ordem”, certamente constatará várias declarações de vários internautas se dizendo prejudicados com um suposto “erro de correção” perpetrado pela Banca Examinadora do certame e uma indignação ainda maior, pois a Banca Revisora, aparentemente, parece nem ter se dado ao trabalho de analisar e deliberar acerca dos Recursos Administrativos interpostos por via eletrônica no período de 16/09/2010 a 18/09/2010.
Comparando-se atentamente o Padrão de Respostas esperadas e o Espelho de Correção, facilmente constata-se que em nenhum momento foi falado acerca de nenhuma “fundamentação complementar”, supostamente em legislação outra que não a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), vez que o item 2.5 faz referência ao parágrafo único, do art. 8º, da CLT, o qual remete para o direito comum, ou seja, literalmente, “o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste”.
Parece que a palavra “subsidiária” do texto da norma fez a Banca Examinadora entrar em choque de interpretação com grande parte da doutrina trabalhista, no sentido de tomar a palavra como acrescentar, somar, reforçar, ou, como registra o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, “que vem em reforço ou apoio do que se alegou ou se estudou”, ou o Dicionário Priberam3 da Língua Portuguesa, “que fortifica, que vem reforçar”.
Ocorre que esses mesmos dicionários registram outra acepção para esse verbete, qual seja, subsidiário é algo “de importância menor; secundário, acessório”, como consta no Dicionário Aurélio, e “que tem menos importância. = acessório, secundário ≠ essencial”, no Dicionário Priberam.
Neste ponto surge a divergência, pois, aparentemente, para a Banca Examinadora, a palavra “subsidiária” estaria posta na norma no sentido de acrescentar, reforçar, devendo então o Examinando e a Examinanda, obrigatoriamente, reforçar a argumentação da Pessoa Jurídica pela licitude dos descontos que foram efetivados em folha do ex-empregado reclamante com base nas disposições do Código Civil de 2002, possivelmente estavam imaginando o art. 927, nos seguintes termos: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Contudo, e quanto à outra acepção do vocábulo “subsidiário”? aquela no sentido de algo “que tem menos importância. = acessório, secundário ≠ essencial”? será que deveria ser descartada?
Bem, aparentemente, isso seria a famosa análise do mérito do ato de reprovar, Ato Administrativo em essência, como bem sabem os especialistas em Direito Administrativo e, fatalmente, o controle jurisdicional estaria impedido de atuar nesta divergência.
Pobres Examinandos e Examinandas! Como poderiam imaginar que uma única palavra, no caso “subsidiária”, poderia mudar as suas vidas para sempre? Ou melhor dizendo, a palavra em si não, mas a interpretação que lhe atribui quem está no poder de aprovar ou reprovar! As palavras tem grande força e poder na Ciência do Direito! Ou melhor dizendo, as palavras em si não, mas a interpretação que lhe atribui quem está no poder!
Mas o grande cerne, a grande discussão, ainda não é essa! Explica-se. Os Examinandos e Examinandas reprovados no certame descobriram que algumas pessoas receberam a pontuação integral no item 2.5 (que valia 0,80), mesmo sem ter escrito uma só linha, nem do art. 8º, parágrafo único, da CLT; nem muito menos do Código Civil de 2002 e seu art. 927! Como é possível que a Banca Examinadora do certame tenha atribuído pontuação integral para algumas pessoas, enquanto que para outras atribuíram nota zero? Qual foi o “critério” de correção aplicado? Eis a grande celeuma! Eis o grande mistério dessa edição do Exame de Ordem!
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ainda em vigor, consigna no seu art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, ...”, naquilo que a doutrina constitucionalista, geralmente, chama de “Princípio da Isonomia”, sendo certo que pessoas em situação jurídica semelhante devem ser tratadas de maneira semelhante, ao passo que pessoas em situação jurídica desigual devem ser tratadas de maneira desigual, na medida das suas desigualdades.
Se atentarmos bem para a situação jurídica, veremos que todos os Examinandos e Examinandas estavam em semelhantes condições, qual seja, prestando um exame unificado nacionalmente, requisito necessário à inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), condição para a habilitação como Advogados e Advogadas e para o exercício da atividade da advocacia.
Em sendo assim, a pergunta que não quer calar é: por que algumas pessoas receberam a nota integral no item 2.5, enquanto que outras não? Será pelo motivo de terem mencionado a tal “fundamentação complementar”, qualquer que seja? Da leitura dos textos desses Examinandos e Examinandas constata-se que não é esse o motivo, pois nada escreveram nas suas provas que lembrasse uma “fundamentação complementar”!
Violado o princípio constitucional da isonomia? E a Banca Revisora o que disse? Aparentemente, limitou-se a confirmar o que já havia dito a Banca Examinadora! E a OAB o que disse? Bem, essa até a data em que estas linhas estavam sendo escritas (02/09/2010), nada havia dito: nem se reconhecia o “erro de correção”; nem se o desconhecia, sendo certo que “na data provável de 08/09/2010” será divulgada a resposta aos Recursos Administrativos que foram interpostos contra o resultado, nos termos do item 3.1, do Edital de 30 de agosto de 2010, do Conselho Federal da OAB, o qual tornou de conhecimento público o resultado final do certame.
Perplexidade! Tristeza! Surpresa! Indignação! Revolta! Impotência diante da sensação de ter sido injustiçado (a)! Recorrer a quem? Esse é o grande drama no qual centenas e centenas de Examinandos e Examinandas de várias partes do Brasil estão sendo obrigados a suportar até a presente data!


Jamenson Ferreira Espindula de Almeida Melo
Avenida Visconde de Jequitinhonha, 209
Sala 804 – Boa Viagem – Recife – Pernambuco
Em 02 de setembro de 2010.

1 Texto publicado no Portal JurisWay em 02 set. 2010. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=4674>.
2 Bacharel em Direito pela Faculdade dos Guararapes, situada no Município de Jaboatão dos Guararapes, Estado de Pernambuco. Advogado.
3 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Verbete subsidiário. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=subsidiário>. Acesso em: 02 set. 2010. 17:45:30.